O que é Mielina?

Mielina é o revestimento, em forma de bainha, dos nossos neurônios. A Mielina está localizada principalmente nos prolongamentos dos neurônios, os chamados axônios. Tanto a mielina quanto os axônios revestidos por ela são responsáveis pela transmissão dos impulsos nervosos que conectam o cérebro com todo o corpo, promovendo todas as funções do organismo humano.

A mielina é produzida por outras células neuronais dispostas próximas e ligadas aos neurônios, chamadas de oligodendrócitos e astrócitos, no Sistema Nervoso Central (SNC). O SNC é composto por: cérebro, nervos ópticos, cerebelo, tronco encefálico e medula espinhal.

A composição da mielina, formada por camadas de lipídios, proteínas e canais de transporte de água e íons, confere a ela uma coloração mais clara do que os neurônios e a sua concentração pode ser maior ou menor nas diversas partes do SNC.

A quantidade de mielina nas células diferencia as regiões do SNC em: substância branca, com uma maior concentração de mielina e substância cinzenta, com uma menor concentração de mielina nos neurônios.

A mielina promove a condução dos impulsos nervosos de maneira harmônica, rápida, e adaptada as funções humanas específicas como:

  • Movimentos do corpo: força muscular e coordenação motora;
  • Sensibilidade de tato, dor e temperatura;
  • Visão: capacidade visual e da coordenação do movimento dos olhos;
  • Equilíbrio: do tronco e dos membros – braços, mãos, pernas e pés;
  • Voz, fala e deglutição (ato de engolir);
  • Funcionamento de órgão internos como bexiga, intestinos, ritmo cardíaco e pulmonar, vasos sanguíneos (funções autônomas);
  • Funções psíquicas e cognitivas (humor, afeto, atenção, memória, linguagem, execução de tarefas).

O que são doenças desmielinizantes?

Doenças desmielinizantes são aquelas  nas quais a Mielina é o principal alvo de danos e formação de lesões, que impedem que os impulsos nervosos continuem funcionando normalmente, gerando disfunções temporárias ou permanentes à pessoa acometida e sintomas relacionados à localização dessas lesões no sistema nervoso central (SNC).

A maioria das doenças desmielinizantes são provocadas por uma resposta imunológica anormal contra a Mielina ou às células produtoras de Mielina, desencadeadas pela interação entre a predisposição genética e  fatores ambientais como vírus e agentes tóxicos que provocam o reconhecimento da Mielina como substância “não própria” do organismo.

 As lesões são formadas por essa reação autoimune, efetivada diretamente pelas células imunológicas – macrófagos, linfócitos T e linfócitos B – e/ou por anticorpos, provocando inflamações. Essas inflamações ocorrem em fases e tempos diferentes – fase aguda, fase de reparo, remielinização e restauração da função, e fase crônica.

As inflamações da mielina (lesões) são vistas nos exames de Ressonância Magnética como lesões desmielinizantes: áreas ou placas arredondadas irregulares de tamanho e localização preferencial a cada tipo de doença, e de tamanho e aspecto variado de acordo com o tempo de formação das lesões:

  • Lesões recentes e agudas ou “ativas” geralmente realçam com a aplicação de contraste durante o exame de Ressonância e podem ter aspecto “inchado” indicando inflamação.
  • Lesões “inativas” não realçam ao contraste e estão desinflamadas e podem ter o tamanho reduzido em relação a fase em que estiveram “ativas”.
  • Lesões crônicas podem ser reconhecidas como cicatrizes de aspecto escurecido, mais profundas e quanto mais antigas recebem o nome de “black holes” ou “buracos negros”, indicando irreversibilidade.

Doenças Desmielinizantes do Sistema Nervoso Central

  • Esclerose Múltipla e suas formas clínicas: forma remitente, forma progressiva.
  • Espectro de Doenças da Neuromielite Óptica (NMO).
  • Mielite transversas aguas e mielites longitudinais extensas.
  • ADEM (Acute Disseminated Encephalomyelitis): Encefalomielite disseminada aguda.
  • Doenças do espectro Anti-MOG (glicoproteína mielínica do oligodendrócito).

Formas raras:

  • Síndrome de Susac, Esclerose concêntrica de Baló, Doença de Marburg, Doença de Schilder, Leucoencefalite aguda hemorrágica de Hurst.
  • Síndromes desmielinizantes induzidas por vírus, ex: Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP ou PML).
  • Síndromes desmielinizantes induzidas por medicamentos: ex. quimioterápicos, imunobiológicos anti-TNF e novos imunobiológicos inibidores de “check-point”.

Doenças Desmielinizantes

ESCLEROSE MÚLTIPLA (E.M. ou EM)

É a doença desmielinizante mais comum. Afeta indivíduos jovens e adultos, em média, iniciando aos 30 anos de idade. Atinge cerca de 2.3 milhões de pessoas no mundo e a prevalência aumenta segundo o ATLAS da EM publicado em 2013 pela Multiple Sclerosis International Federation. Mais prevalente em países localizados em médias e altas latitudes, é a segunda causa de incapacidades neurológicas entre os jovens, causando assim alto impacto sócio-econômico.

As lesões desmielinizantes são provocadas principalmente pelas células imunológicas “autorreativas” – linfócitos T e linfócitos B que invadem o SNC – e por anticorpos, hoje identificados como as Bandas Oligoclonais localizadas no Líquor. O ataque à mielina e ao axônio, altera o funcionamento no local onde as lesões se formam, e elas se alastram disseminando no tempo (variável, de meses a anos) e no espaço (nas múltiplas regiões do SNC). As inflamações sofrem reparo decorrente do processo de “cicatrização interna”, o processo gera cicatrizes (escleroses) nomeando a condição como Esclerose Múltipla.

A forma recorrente da doença se manifesta em crises (surtos) de disfunção neurológica parcial ou total, em geral uma função neurológica por crise, marcada por recuperação parcial ou total. Na medida que os surtos recorrem/repetem ocorre o acúmulo de lesões e dificuldades físicas, psíquicas e cognitivas, gerando as incapacidades. Denominava-se Esclerose Múltipla Remitente-Recorrente, atualmente EM Recorrente.

A forma progressiva da doença se manifesta como disfunção neurológica gradativa levando às dificuldades neurológicas, gerando sequelas. Essa forma tende a avançar com o tempo,  principalmente comprometendo a capacidade motora – marcha, andar, deambulação. Era denominada anteriormente Esclerose Múltipla primária ou secundária progressiva, atualmente EM Progressiva.

A maioria dos pacientes apresenta sintomas visuais com dor no olho (retro-ocular), perda de visão parcial/total ou visão dupla, sintomas sensitivos do tipo parestesias (formigamentos, dormência, distorção da sensibilidade e dor neuropática), sintomas motores do tipo paresias ou plegias (perda de força muscular) e rigidez muscular nos membros (espasmos e espasticidade), descontrole urinário e intestinal, e fadiga.

Os conhecimentos atuais permitem considerar a doença como recorrente e progressiva ao mesmo tempo e desde o princípio, de caráter heterogêneo entre as pessoas, ou seja diferente na velocidade de instalação, no tempo e frequência entre os surtos, na capacidade de recuperação ou não das dificuldades neurológicas em curto e a longo prazo (reserva funcional e capacidade de remielinização).

O prognóstico e a perspectiva da conviver melhor com a EM a longo prazo dependem principalmente do diagnóstico e do início precoce dos tratamentos de alta eficácia para impedir a formação, o acúmulo e a cronificação das lesões no SNC. TEMPO É CÉREBRO!

O momento é de ampliar e difundir para a prática clínica os avanços no conhecimento da doença e dos tratamentos com as terapia de alta eficácia, bem como das técnicas para manejo e alívio dos sintomas, a fim de tornar a perspectiva e qualidade de vida dos pacientes muito melhor para o futuro.

ESPECTRO DE DOENÇAS DA NEUROMIELITE ÓPTICA – Doença de Devic, NMO ou NMOSD

Trata-se de uma doença desmielinizante menos prevalente que a EM. Era considerada como uma variante da Esclerose Múltipla e atualmente é conhecida como uma doença específica. Apesar de ser menos prevalente, também atinge indivíduos jovens. É mais comum entre afrodescendentes, tem alto impacto pelo potencial agressivo, ou seja, com alto risco de incapacidades físicas e visuais. Essa forma de doença desmielinizante abrange vários subtipos de síndromes clínicas decorrentes de desmielinização preferencial nos nervos ópticos, tronco encefálico e medula espinhal, em geral com lesões maiores do que a EM.

Nestas condições, o mecanismo de formação de lesões envolve o ataque por anticorpos contra os canais de água da mielina, chamados de canais de Aquaporina, liberação de citocinas inflamatórias, como a Interleucina 6 e ativação de complemento (C5), gerando a desmielinização.

MIELITES TRANSVERSAS AGUDAS

São doenças inflamatórias que atingem especificamente a medula espinhal, que podem ser uma forma de surto das doenças desmielinizantes como a EM, NMO, Anti-MOG, ADEM, ou relacionadas a outras doenças inflamatórias como as colagenoses, por ex. Lupus, ou isoladas e decorrentes da infecção por vírus, parasitas, e até mesmo relacionadas a processos metabólicos ou nutricionais, como a carência de certas vitaminas ou metais.

As mielites tem apresentação clínica variável, podendo atingir segmentos medulares com tamanho menor ou maior que a altura de 3 ossos/vertebras da coluna (uma comparação para referência do tamanho das lesões, usados nos exames de Ressonância).

Mielites com lesão ou lesões múltiplas pequenas (< 3 vertebras) podem ser vistas na EM, como lesões maiores (> 3 vértebras) e são encontradas na NMO. A localização na medula espinhal – cervical, torácica/dorsal e cone medular – é mais típica de uma ou outra condição, sendo as mielites cervicais mais frequentes na EM. O termo Mielite Longitudinal Extensa indica que o tamanho da lesão ultrapassa a altura de 4 vértebras.

Infecções virais são a causa mais frequente de Mielite Transversa Aguda, mas ainda é baixa a capacidade de identificação das causas e dos agentes infecciosos devido a complexidade e dificuldades técnicas de laboratório.

O potencial de instalação de sequelas permanentes no momento da crise/surto ou episódio de mielite é alto, em geral levando a paraplegia (perda completa da motricidade) e perda do controle esfincteriano. O tratamento adequado, precoce, amplo e intenso aumenta a chance de recuperação neurológica dos pacientes que apresentam mielites agudas.

ADEM (Acute Disseminated Encephalomyelitis) – Encefalomielite disseminada aguda

Trata-se de uma condição de doença desmielinizante aguda e de envolvimento extenso em múltiplas regiões do SNC.
A ADEM leva a sintomas clínicos exuberantes e sempre com manifestação clínica caracterizando uma encefalopatia: comprometimento de nível ou do conteúdo da consciência, confusão mental, alterações comportamentais, ou crises convulsivas. Esta síndrome clínica, a Encefalopatia, é associada a manifestações motoras, sensitivas, visuais, de incoordenação motora, urinárias e intestinais.

Condição mais comum em crianças e adolescentes, indica uma resposta autoimune exuberante, com a formação de lesões desmielinizantes inflamadas no cérebro, nervos ópticos, tronco encefálico, cerebelo, e medula espinhal ao mesmo tempo, decorrentes de uma reação a infecções corriqueiras como viroses comuns, ou decorrentes de uma reação vacinal exuberante.

Apesar da gravidade inicial, os pacientes que apresentam ADEM tem alto potencial de recuperação, de reversibilidade e menor risco de sequelas definitivas.

Sobre Esclerose Múltipla

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